Observe o seguinte lugar de memória.
É uma placa de identificação de uma das ruas de nossa cidade. As placas servem, em primeiro lugar, para orientar a população, para nos organizarmos no espaço urbano, para indicar o ponto exato de um endereço. Mas não é só isso. Note que, como toda placa, ela está identificada por um nome: Rua Marechal Castelo Branco, e este nome representa uma vontade de memória, um desejo de exaltação, uma necessidade de homenagear alguém.
E se nos perguntarmos: “Quem foi Marechal Castelo Branco”?
Essa simples pergunta pode nos colocar diante de um imenso passado, nos transportar para um momento muito importante da história brasileira; pode, inclusive, nos revelar uma história nem um pouco gloriosa, um passado cheio de violência, de autoritarismo e de tristeza.
Marechal Castelo Branco foi um ditador. Era cearense e foi o primeiro presidente do ciclo de militares que governaram o Brasil durante o período da Ditadura Militar, que durou de 1964 até 1985. Foram cinco presidentes ditadores ao todo: 1º – Marechal Castelo Branco, 2º – Marechal Costa e Silva, 3º – General Emílio Garrastazu Médici, 4º – General Ernesto Geisel, 5º General João Baptista Figueiredo. Eles chegaram ao poder em 31 de março de 1964 através de um Golpe Militar, que derrubou e retirou do poder o presidente João Goulart – o Jango. Ou seja, retiraram do poder um presidente escolhido pelo povo, através do voto, e passaram a governar de forma autoritária, sem a participação do povo, pois os presidentes militares eram escolhidos de forma indireta, sem eleições populares.
A Ditadura Militar deu início a um período de suspensão, de veto, de engavetamento, de negação da Democracia. Por isso chamamos esse momento de antidemocrático. Nele, o povo não pode escolher seus representantes, não pode reivindicar seus direitos, não pode criticar o poder. Nele, não há espaço para o diálogo, e toda forma de contestação aos governantes é punida severamente com prisões, com perseguições, com tortura, com assassinatos, com desaparecimento de pessoas.
A ditadura militar engavetou a Constituição Federal, a lei maior de nosso país, e passou a governar por leis criadas pelos próprios militares, chamadas de Atos Institucionais. O AI-5, considerado o mais cruel de todos os Atos, representou o aumento da repressão no Brasil. Segundo a historiadora Lilia Schwarcz e Heloísa Starling:
O documento contava doze artigos e vinha acompanhado de um Ato Complementar nº 38 que fechava o Congresso Nacional por tempo indeterminado. O AI-5 suspendia a concessão de habeas corpus e as franquias constitucionais de liberdade de expressão e reunião, permitia demissões sumárias, cassações de mandatos e de direitos de cidadania, e determinava que o julgamento de crimes políticos fosse realizado por tribunais militares, sem direito a recurso.
SCHWARCZ, Lilia; SATRLING, Eloísa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 455.
Corcovado: colocava-se o prisioneiro de costas para o abismo, no alto do Corcovado, e apontava-lhe armas durante horas.
Ginástica: o prisioneiro era obrigado a fazer flexões de perna segurando em cada mão um catálogo de telefone.
Pau de arara: o prisioneiro era marrado pelos pulsos e tornozelos a um pau e depois era pendurado de cabeça pra baixo. No pau de arara o preso apanhava, levava choques.
Banho chinês: o prisioneiro tem sua cabeça enfiada dentro de um balde de água suja ou em tonel de óleo, no limite do afogamento.
Telefone: pancadas nos ouvidos da vítima.
Choques elétricos: fios são ligados no corpo da vítima, na boca, nos ouvidos, nos peitos, nos testículos, e depois ligados a rede elétrica.
Geladeira: a vítima era colocada seminua dentro de um frigorífico de carnes com temperatura entre 20 e 30 graus negativos.
Retirado do livro:
ALVES, Márcio Moreira. Torturas e torturados. Rio de Janeiro: Empresa Jornalística PN, 1996.
A tortura foi uma prática muito utilizada nesse período da história brasileira. Os militares a usavam para punir aqueles que eram considerados inimigos do governo: em geral, eram pessoas que não concordavam com as arbitrariedades da ditadura, que lutavam pelo fim do autoritarismo e da violência, ou, simplesmente, pessoas que tinham outras ideologias políticas diferentes. Estudantes, intelectuais, artistas, trabalhadores rurais, indígenas, políticos, padres, bispos, militantes de movimentos negro, movimento de mulheres etc. foram atingidos pela tortura no Brasil.
Usava-se a tortura como instrumento para punir e para conseguir informações sobre pessoas que a ditadura queria prender e matar. Havia muitas formas de tortura, veja algumas formas no quadro ao lado.
A lista de torturas era grande e mostra o quanto a ditadura militar usou a violência para perseguir os brasileiros e para se manter no poder durante tanto tempo. Hoje, é fundamental que nós sejamos contrários a qualquer tipo de tortura, e que possamos reagir sempre que alguém fizer a defesa desse mecanismo cruel. Tortura é crime.
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
Para Pensar.
Você acha que a tortura é coisa do passado?
Que tal debater com seus colegas e seus professores sobre isso?!
A ditadura militar teve que enfrentar a oposição de grandes setores da sociedade brasileira, de artistas a trabalhadores rurais, por todo o Brasil cresceu, principalmente a partir da década de 1970, o movimento pelo fim da ditadura e pelo retorno da Democracia. A música foi um importante instrumento dessa luta, em uma delas, de Chico Buarque de Holanda, o enfrentamento ao poder dos generais estava escrito de forma direta. Apesar de você, amanhã será outro dia. Era o desejo de um futuro de paz, sem violência e democrático.
Ouça a canção com seus colegas e o seu/sua professor (a).
1) Em que versos você observa enfrentamento da ditadura? Anote em seu caderno.
2) Em quais versos você identifica a censura, proibição do pensamento e do direito de se expressar?
3) Você acha que essa música ainda é atual? Com a ajuda do/da professor (a), debata este assunto.
Professor, professora,
Que tal organizar uma oficina de cartazes contra o a ditadura?! Você pode instigar os seus alunos a dizerem o que, hoje, eles não aceitam politicamente. Que tipo de autoritarismo eles querem repudiar. Que basta eles gostariam de dizer.
Veja, o nome do Marechal Castelo Branco, que nomeia uma rua de nossa cidade, representa a memória da ditadura, do autoritarismo, da tortura. Mas por que homenagear um ditador? Você deve estar se fazendo essa pergunta agora, não é?
Pois bem, os lugares de memória podem se transformar em lugares de comemoração dos ditadores, dos regimes autoritários, dos governos antidemocráticos, do poder escravizador. Isso se dá porque a construção de monumentos, de estátuas, a nomeação de ruas, de prédios; a comemoração de festas e de datas históricas, é feita por um determinado grupo de pessoas, às vezes por única pessoa, e tem a ver com a sua forma de ver e pensar a história, a sua forma de pensar o que, ou quem tem direito à lembrança ou ao esquecimento.
Por isso é necessário problematizar os espaços públicos, as placas, as estátuas, e se perguntar quem está sendo homenageado. Pensar: será que esse este personagem representa a memória dos pobres, dos marginalizados e dos oprimidos, ou a memória das elites? E mais: por que só as elites têm direito à memória? E mais: essa memória representa o conforto social ou é a memória da dor e do sofrimento de muitos?
Você historiador e cidadão crítico.
Observe a placa da rua em que você mora. Retire uma fotografia e cole a imagem no seu caderno.
1) Que nome está registrado nela?
2) Você sabe quem foi essa pessoa?
3) Busque informações sobre ela. Quem foi? O que fazia? O que fez pela cidade?
A que grupo social ela pertencia?
4) Por que seu nome foi digno de ser registrado na placa?
Professor(a), acesse os links abaixo e conheça outros recursos para enriquecer suas aulas.
NAPOLITANO, Marcos. História do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto, 2020.
REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
RAMOS, Francisco Régis Lopes, Kunz Martine. Frei Tito: em nome da memória. Fortaleza: Museu do Ceará, 2005.